O Brasil, o maior país católico do mundo, tem uma comunidade islâmica pequena em relação ao total de sua população, porém com uma presença que pode ser considerada significativa.
Atualmente existem em torno de 100 instituições islâmicas espalhadas por todo o país, frequentadas por 35.167 fiéis, segundo o último Censo (2010), e por aproximadamente 1 milhão de muçulmanos, segundo estimativas das entidades islâmicas brasileiras.
A maior parte dos muçulmanos no Brasil está concentradaem São Paulo, onde somente na capital encontram-se 13 mesquitas, além de outras em várias cidades do interior.
Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná também apresentam um bom contingente, principalmente na região de Foz do Iguaçu, onde fica uma das mesquitas mais suntuosas do Brasil e que se tornou ponto turístico local.
Nos demais estados também existem muçulmanos, porém em menor número.
Há indícios da presença muçulmana nas Américas cerca de seis séculos antes da chegada de Colombo.
Especificamente no Brasil, a história do Islam também é antiga e pode ser dividida em três fases distintas, e que em nenhum momento se cruzam.
A vinda de muçulmanos para o Brasil remete à época do descobrimento, e há relatos de que na esquadra de Cabral já havia alguns muçulmanos.
Essa é a primeira etapa, ou seja, portugueses de origem muçulmana, cuja maioria havia se convertido ao catolicismo de forma forçada ainda em Portugal, muitos deles perseguidos pela Inquisição.
São os chamados mouriscos, e as únicas evidências de sua existência são os documentos da Inquisição.
Como eles não praticavam o Islam livremente, a não ser por tradição familiar, pouco a pouco foram se diluindo na sociedade, processo concluído até o século XVIII.
Outra porta de entrada do Islam no Brasil foi a vinda, a partir do final do século XVIII, dos escravos africanos de origem islâmica.
Esta foi a segunda fase, e esse afluxo de escravos, provenientes da África subsaariana, repercutiu de forma indireta na história do Brasil colonial, uma vez que muitos desses escravos trazidos ao país praticavam o Islam habitualmente.
A maioria deles exercia atividades agrárias, mas os escravos das áreas urbanas ultrapassaram o limite da relação com seus senhores, entrando em contato com diferentes grupos sociais, fazendo com que o Islam se propagasse mais rapidamente.
No contexto urbano, os escravos muçulmanos se diferenciavam dos demais pelo não consumo de carne suína e seus derivados, por não ingerirem bebidas alcoólicas, e por não aceitarem a imposição religiosa de seus “donos”.
Os senhores convertiam seus escravos ao catolicismo através do batismo, ignorando as crenças dos mesmos, mas isso contribuiu para que os muçulmanos ficassem ainda mais unidos em sua prática religiosa.
Afinal, dentro da crença islâmica, nenhum homem é submisso a outro, como acontece no regime escravocrata.
A submissão é somente a Deus, e ainda assim deve ser de forma voluntária.
Essa crença, aliada a todas as atrocidades cometidas durante a escravidão, gerou inúmeras revoltas das quais os muçulmanos participaram e até lideraram.
Em 1835, os escravos muçulmanos organizaram o mais famoso desses levantes, a Revolta dos Malês, em Salvador (BA), contra aquele regime desumano ao qual eram submetidos.
Após essa revolta, como era de se esperar, houve uma repressão muito grande à prática pública e visível do Islam por parte do Estado brasileiro – já estamos no período independente, imperial.
Esses escravos muçulmanos se organizam em comunidades, mas que passam a praticar o Islam apenas privadamente, ou seja, em seus domicílios, e que se reuniam nas casas dos imans (líderes religiosos).
Muitos ocultavam a sua identidade batizando seus filhos no catolicismo e enterrando seus mortos com rituais católicos, tal qual era feito por religiosos de cultos afro, que se misturavam às práticas católicas para sobreviverem.
Alguns migraram de Salvador para outras cidades, então, no século XIX, temos pelo menos três comunidades islâmicas organizadas: Salvador, Recife e Rio de Janeiro, onde há evidências da presença desses escravos muçulmanos no Memorial dos Pretos Novos, na região da Gamboa (matéria sobre o assunto na edição nº9 do jornal Nurul Islam).
Com o fim da escravidão no Brasil, após a assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel em 13 de maio de 1888, o contato com a África é interrompido e o fluxo de especialistas na religião, pessoas que dominavam o árabe, vinda de textos, etc., também é cortado.
Assim, gradualmente essas comunidades foram se desagregando.
Quando mais uma vez parecia que não restariam traços do Islam no Brasil, entramos na terceira etapa da presença islâmica no país, que foi a imigração árabe no início do século XX e a consequente nova leva de muçulmanos que aqui aportaram.
Conta-se até que, um pouco antes disso, o imperador D. Pedro II, após efetuar uma viagem diplomática ao Oriente Médio, mostrou-se fascinado pela cultura local e pela cordialidade do povo árabe, em especial os muçulmanos.
Por meio do imperador, as primeiras levas de imigrantes árabes já teriam sido atraídas para o Brasil.
Mas o fato conhecido é que as guerras e perseguições religiosas levaram centenas de milhares de sírios, libaneses e palestinos, muitos deles muçulmanos, a desembarcarem em massa no Brasil, onde se tornaram a maior colônia de origem árabe.
Um fator que fez o Brasil ser escolhido como destino foi justamente a expectativa de professar a religião islâmica sem o temor de represálias.
Hoje, grande parte dos muçulmanos que reside no Brasil é descendente desses imigrantes que vieram para cá durante a Primeira Guerra Mundial em busca de melhores condições de vida.
Com muitos conflitos no Oriente Médio, tanto no passado como nos dias atuais, e devido também a problemas sócio-econômicos agravados nessa região, a imigração se tornou notável.
A grande maioria dos imigrantes árabes que chegou ao Brasil rumou para São Paulo, onde foi formada, em 1929, aprimeira instituição islâmica do país, a Sociedade Beneficente Muçulmana.
Na capital de São Paulo, esses sírio-libaneses rapidamente formaram uma próspera comunidade de comerciantes.
É importante destacar que essa imigração árabe-islâmica é multifacetada, ou seja, tivemos a vinda de muçulmanos sunitas, xiitas, alauítas, drusos, sufis, etc.
Mas, tal como ocorre em escala global (no mundo, cerca de 89% dos muçulmanos são sunitas e 11% são xiitas), os sunitas representam a maior parte dos muçulmanos no Brasil, sendo os demais existentes em contingente minoritário.
Em 1940, aSociedade Beneficente Muçulmana inicia a construção da primeira mesquita do país, a Mesquita Brasil, que existe até hoje em São Paulo na Avenida do Estado.
A inauguração do templo só ocorreu em 1960, e permaneceu como a única mesquita do país até 1972, quando foi construída a mesquita de Curitiba.
Mas nesse ínterim, outras entidades islâmicas foram sendo organizadas no país na forma de sociedades beneficentes, como a nossa instituição, Sociedade Beneficente Muçulmana do Rio de Janeiro (SBMRJ), criada em 1951 em uma mussala* na capital do estado, e a Sociedade Beneficente Muçulmana de Curitiba, em 1957, que foi a idealizadora da segunda mesquita do país citada acima, em 1972.
Nos mudamos da mussala* do Centro do Rio em 2008, quando foi construída a Mesquita da Luz na Tijuca, que hoje é a sede da nossa entidade e a única mesquita sunita do estado.
Na década de 80, com um maior apoio de países árabes, houve uma expansão na construção de mesquitas no país, o que acarretou numa maior visibilidade do aspecto religioso dessa comunidade árabe que se estabeleceu no Brasil.
Até então eles eram vistos pelos brasileiros mais do ponto de vista étnico, ou seja, árabes e descendentes com seus traços culturais específicos.
E de fato eles assim agiam, pois mesmo com a criação dessas entidades islâmicas o objetivo principal desses imigrantes era o de criar ambientes comuns a eles, para manter as famílias próximas umas das outras e darem prosseguimento às suas vidas da forma menos afastada possível de suas origens.
Não havia uma grande preocupação com a questão religiosa, e sim com o convívio social e a manutenção e reprodução de suas raízes árabes entre as famílias.
Mas com o aparecimento das mesquitas nas cidades a religião ficou mais evidente, e a partir da década de 90 começaram as conversões de brasileiros ao Islam.
Com o crescente interesse dos brasileiros, em muitas comunidades os sermões passaram a ser proferidosem português.
Nesseperíodo, houve uma expansão da literatura islâmica no Brasil, tanto de livros novos escritos em português como de traduções de livros em árabe para o nosso idioma.
E também a criação de cursos de Islam e língua árabe, em especial em São Paulo e no Rio de Janeiro, para atender a demanda desses brasileiros que cada vez mais se interessavam pelo assunto.
Muitos deles, após estudar a religião e o árabe, se tornavam muçulmanos, e esse número de revertidos só aumentou a partir do ano 2000 com dois fatores: a exibição da novela “O Clone”, que mesmo com os inúmeros erros conceituais acerca da religião islâmica apresentava uma visão dos muçulmanos como um povo festeiro e feliz; e a tragédia do 11 de setembro, que foi associada aos muçulmanos e, mesmo sendo algo extremamente negativo, trouxe visibilidade ao tema.
Daí por diante, cada vez mais o Islam e os muçulmanos apareceram na mídia, na maior parte das vezes em aspectos equivocados e distorcidos.
Mas a exposição negativa passou a gerar curiosidade nas pessoas, que então buscavam informações sobre o Islam nas mesquitas e instituições islâmicas.
Após conhecerem os verdadeiros e belos valores que a religião prega, muitas delas se tornavam muçulmanas, e esse é um fenômeno que se observa no mundo todo.
Quanto mais se propaga uma visão negativa e estereotipada dos muçulmanos, mais pessoas buscam informações sobre o Islam para se certificarem, e como consequência ou viram simpatizantes ou se tornam muçulmanas.
Um bom exemplo é a Europa, onde já existem quase 60 milhões de muçulmanos, e esse crescimento faz com que, atualmente, de todos os muçulmanos do mundo (1,6 bilhão de pessoas), apenas 18% sejam de origem árabe.
No Brasil, acredita-se que a maior parte dos muçulmanos ainda seja de árabes e seus descendentes, mas também existem muitos revertidos.
Em alguns estados eles são inclusive maioria, como no Rio de Janeiro, por exemplo: cerca de 70% dos muçulmanos são brasileiros que abraçaram o Islam, e apenas 30% são imigrantes e descendentes.
E Allah Sabe Melhor.
الله أعلم
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