Biografia do Profeta Muhammad (SAWS)

Introdução

Nos anais da história da humanidade, em todas as épocas e lugares, há sempre o relato de pessoas que devotaram suas vidas às reformas sociais e religiosas de seus povos. Na Índia, viveram aqueles que transmitiram ao mundo os Vedas, e também lá viveu Sidarta Gautama. Na China, houve Confúcio. A Babilônia deu ao mundo um dos maiores reformadores, o profeta Ibrahim Abraão. O povo judeu pode, muito justamente, se orgulhar de uma longa série de reformadores: Mussa Moisés, Samuil Samuel, Dawud Davi, Sulayman Salomão e Issa Jesus, entre outros. Esses reformadores, de um modo geral, reivindicaram ser portadores de uma missão divina e legaram livros sagrados que incorporavam códigos de vida para orientação de seus povos.

O homem sempre teve consciência da existência de um Ser Supremo, Mestre e Criador de tudo. Os métodos e abordagens podem ter diferido, mas os povos em cada época deixaram as marcas de suas tentativas de submissão a Deus. Fosse essa comunicação sob a forma de uma encarnação da Divindade, ou simplesmente a recepção das mensagens divinas, o objetivo em cada caso era a orientação das pessoas.

Ao final do século VI d.C, os homens já haviam alcançado grande progresso em diversos setores da vida. Naquela época, havia algumas religiões que abertamente se proclamavam destinadas a apenas alguns grupos e raças de homens, e claro que elas não traziam em si qualquer remédio para os males da humanidade. Havia também umas poucas que reivindicavam a universalidade, mas declaravam que a salvação do homem estava na renúncia a este mundo. Eram as religiões da elite e congregavam um pequeno número de pessoas.

Nessa época, a Península Arábica era habitada por povos instalados em acampamentos, da mesma forma que os povos nômades. Muitas vezes, membros de uma mesma tribo se dividiam em outros grupos e, muito embora mantivessem uma relação, seguiam diferentes modos de vida. Os meios de subsistência na Arábia eram escassos. O deserto tinha suas desvantagens e o comércio das caravanas era mais importante do que a agricultura ou a indústria. Isso exigia muitas viagens e os homens tinham que ir além da península, para a Síria, Egito, Abissínia, Iraque, Índia e outras terras.

Na Arábia Central estava localizado o Iêmen, muito justamente conhecida como Arábia Felix. Na época de Muhammad , o Iêmen estava dividido em inúmeros principados e ocupado em parte por invasores estrangeiros. Os sassânidas da Pérsia, que tinham penetrado o Iêmen, já tinham obtido a posse da Arábia Oriental. Havia um caos sócio-político na capital, com reflexos em todos os seus territórios. A Arábia do Norte havia sucumbido às influências bizantinas e enfrentava seus próprios problemas. Somente a Arábia Central permanecia imune aos efeitos da ocupação estrangeira.

Nesta área limitada da Arábia Central, a existência do triângulo Meca-Ta’if-Medina parecia alguma coisa providencial. Meca, desértica, privada de água e de outros encantos, representava a África e o ardente deserto do Saara. A umas poucas milhas dali, Ta’if apresentava um aspecto mais europeu. Medina, ao norte, não era menos fértil do que a maior parte dos países asiáticos, como a Síria, por exemplo. Se o clima tem alguma influência sobre o caráter do ser humano, este triângulo, mais do que qualquer outra região da terra, era uma reprodução miniaturizada do mundo todo.

Do ponto de vista da religião, a Arábia era politeísta e apenas uns poucos indivíduos haviam abraçado uma religião. O povo de Meca tinha noção de um Deus único, mas acreditava também que os ídolos tinham poder para interceder junto a Ele. Curiosamente, não acreditavam na ressurreição e na vida após a morte. Eles tinham preservado o ritual da peregrinação à casa de Deus, a Caaba, uma instituição construída sob inspiração divina por seu ancestral Ibrahim Abraão. Os 2000 anos que os separavam de Ibrahim Abraão haviam transformado a peregrinação em um espetáculo de feira comercial.

Apesar da pobreza em recursos naturais, Meca era o mais desenvolvido dos três pontos do triângulo. Meca era uma cidade-estado, governada por um conselho de dez chefes hereditários, que usufruíam uma clara divisão de poder. Os chefes de caravanas gozavam de boa reputação e tinham permissão para visitar os impérios vizinhos para efetuar negócios. Embora não muito interessados na preservação das ideias e no registro escrito de sua história, eles cultivavam as artes e as letras, como, por exemplo, a poesia, a oratória e as lendas. Foi nesse ambiente que nasceu Muhammad , o último profeta do Islam.

O nascimento e a juventude do profeta

Muhammad nasceu em 570 d.C. Seu pai ‘Abdullah havia morrido algumas semanas antes de seu nascimento, e foi seu avô quem cuidou dele. De acordo com os costumes, ele foi confiado à uma ama-de-leite beduína, com quem passou muitos anos no deserto. Aos seis anos ele perde sua mãe, quando voltava de uma viagem de Medina. Aos oito anos morre seu avô, e seu tio, Abu Talib, passa a cuidar dele. Apesar de ser um homem generoso por natureza, Abu Talib era muito pobre e mal conseguia sustentar sua família. Assim, Muhammad teve que começar a trabalhar cedo para ganhar seu sustento.

Aos vinte e cinco anos era conhecido na cidade por sua integridade e honestidade de seu caráter. Uma viúva rica, Khadija, contratou seus serviços para vender as mercadorias de sua caravana na Síria. Fascinada com o lucro incomum obtido e também encantada pelo caráter de Muhammad , ela lhe propôs casamento.

Quando Muhammad estava com 35 anos, a Caaba era um prédio baixo de pedras brancas, medindo cerca de 6,30m de altura. Também não tinha teto, o que dava fácil acesso de ladrões aos seus tesouros. Além disso, o desgaste do tempo havia enfraquecido e rachado suas paredes. Algum tempo antes tinha havido uma grande enchente em Meca, que quase demoliu a Caaba.

Devido a tudo isso, os coraixitas decidiram reconstruir a Caaba. As paredes foram derrubadas até ser encontrada a base feita porIbrahim Abraão. Quando começaram a levantar as novas paredes, o trabalho foi dividido entre as tribos. Cada uma foi responsável pela reconstrução de uma parte. Foram trazidas as pedras e o trabalho começou em completa harmonia, até a hora de se colocar a Pedra Negra no lugar adequado. Os desentendimentos começaram entre os líderes e durou 4 ou 5 dias, todos querendo a honra de colocar a pedra em sua posição.

Felizmente, o mais velho dentre os chefes fez uma proposta que foi aceita pelos outros. Ele disse: “O primeiro que entrar no templo decidirá quem colocará a pedra no local correto”. E Muhammad foi o primeiro a entrar na mesquita. Ao vê-lo, todos clamaram a uma só voz: “Al Ameen (o confiável) chegou. Ficaremos felizes em cumprir o que ele decidir”. Muhammad aceitou o encargo e usou de um expediente para conciliar a todos. Ele pediu um manto, que foi esticado sobre o chão, e a pedra foi colocada no centro. Em seguida, pediu aos representantes dos diversos clãs para que todos juntos levantassem o manto com a pedra. Quando chegou no local apropriado, Muhammad a colocou em um dos ângulos do prédio e todos ficaram satisfeitos. E, dessa maneira, uma situação tensa foi facilmente resolvida com sabedoria por Muhammad .

Revelação e missão

A partir desse momento, Muhammad se torna mais e mais absorto em meditações espirituais. Da mesma forma que seu avô, ele costumava se retirar durante todo o mês de Ramadan na caverna de Hira. Lá ele orava, meditava e dividia suas magras provisões com os viajantes que passavam por ali.

Ele estava com quarenta anos, e há cinco vinha fazendo seus retiros anuais. Em uma noite, ao final do mês do Ramadan, um anjo veio visitá-lo e anunciou que Deus o havia escolhido como Seu mensageiro para toda a humanidade. O anjo lhe ensinou o modo das abluções, a forma de adoração a Deus e a conduta nas orações. E lhe comunicou a seguinte mensagem:

“Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso. Lê, em nome do teu Senhor que criou; Criou o homem de algo que se agarra; Lê, que o teu Senhor é Generosíssimo; Que ensinou através do cálamo; Ensinou ao homem o que este não sabia.” (Alcorão 96:1-5)

Transtornado com o ocorrido, ele voltou para casa e contou à esposa o que havia acontecido, temendo que pudesse ser alguma coisa diabólica ou a ação de espíritos malévolos. Ela o consolou, dizendo que ele sempre fora um homem generoso, caridoso, ajudava os pobres, órfãos, as viúvas e necessitados, e garantiu-lhe que Deus o protegeria de todo o mal.

Após mais algumas mensagens reveladas veio uma pausa nas revelações, que durou mais de três anos. A notícia da primeira visão havia se espalhado e, com a interrupção das mensagens, os céticos da cidade começaram a escarnecer dele. Chegaram a ponto de dizer que Deus o havia abandonado.

Durante os três anos de espera, o profeta se dedicou mais e mais às preces e práticas espirituais. As revelações, então, recomeçaram e Deus lhe assegurou que Ele não o tinha abandonado em absoluto, pelo contrário, era Ele Quem o tinha guiado no caminho correto: portanto, ele deveria cuidar dos órfãos e destituídos e proclamar a generosidade de Deus sobre ele (Alcorão 93:3-11). Esta era, na verdade, uma ordem para iniciar a pregação. Uma outra revelação o orientou a advertir as pessoas contra as práticas erradas, a exortá-los para a adorar somente ao Deus Único e a abandonar tudo o que pudesse desagradar a Deus (Alcorão 74:2-7). Contudo, uma outra revelação ordenou que ele advertisse seus próprios parentes mais próximos (Alcorão 26:214). E também: “Proclama, pois, o que te tem sido ordenado e afasta-te dos idólatras. Porque somos-te Suficiente contra os escarnecedores” (Alcorão 15:94-5). De acordo com Ibn Ishaq, a primeira revelação chegou ao profeta durante seu sono, evidentemente para reduzir o choque. Mais tarde, as revelações chegavam em estado de total consciência.

Muhammad começou a pregar sua missão secretamente, primeiro entre os amigos mais íntimos e depois entre os membros de sua própria tribo, e mais tarde publicamente na cidade e vizinhanças. Ele insistia na crença de um Deus Transcendente, na Ressurreição e no Dia do Julgamento. Ele convidou os homens a praticarem a caridade e a benevolência, cuidou para preservar, através da escrita, as revelações que recebia e orientou seus adeptos a decorarem os versículos. E assim foi durante toda a sua vida, tendo em vista que o Alcorão levou 23 anos para ser revelado.

O número de adeptos foi aumentando gradualmente, mas, com a denúncia de paganismo, a oposição também cresceu por parte daqueles que estavam firmemente presos às crenças dos ancestrais. Esta oposição acabou se transformando em tortura física de Muhammad e daqueles que haviam abraçado a religião. Eles eram estirados sobre a areia escaldante, queimados com ferro incandescente e amarrados com correntes nos pés. Alguns deles morreram sob os efeitos da tortura, mas ninguém renunciava à religião. Em desespero, Muhammad aconselhou seus companheiros a abandonarem a cidade e buscarem refúgio na Abissínia, “onde reina um governante justo, em cujos domínios ninguém é oprimido” (Ibn Hisham). Dezenas de muçulmanos, então, migraram para a Abissínia. Essas fugas secretas levaram a mais perseguições aos que permaneceram em Meca.

O boicote social

Quando um grande número de muçulmanos já havia emigrado para a Abissínia, os líderes de Meca enviaram um ultimato à tribo de Muhammad , exigindo que ele fosse excomungado, proscrito e enviado a eles para ser condenado à morte. Todos os membros da tribo, muçulmanos e não muçulmanos, rejeitaram o pedido (conforme Ibn Hisham). Por causa disso, a cidade decidiu impor um boicote total à tribo. Ninguém podia falar com eles ou ter relações comerciais e/ou matrimoniais com eles. O grupo das tribos árabes, chamado Ahabish, que morava nas vizinhanças aderiu ao boicote, provocando completa miséria entre as vítimas inocentes, entre crianças, mulheres, idosos, doentes e fracos. Alguns deles não resistiram e morreram, mas ninguém entregava Muhammad a seus perseguidores. Um tio do profeta, Abu Lahab, abandonou a tribo e participou do boicote, se juntando aos pagãos. Após três terríveis anos, durante os quais as vítimas eram obrigadas a devorar até couro esmagado, quatro ou cinco não muçulmanos, mais humanos do que o resto e pertencentes a diferentes clãs, proclamaram publicamente sua condenação ao boicote injusto. O boicote foi levantado, contudo, devido às privações, a esposa do profeta, Khadijah, e Abu Talib, o chefe da tribo e tio de Muhammad , morreram logo em seguida. Este ficou conhecido como o “Ano da Tristeza”.

A migração para Medina (Hégira)

A peregrinação anual à Caaba trazia a Meca pessoas de todos os lugares da Arábia. Muhammad tentou convencer uma tribo após outra a dar-lhe abrigo e permitir-lhe cumprir sua missão de reforma. Cerca de 15 tribos se recusaram, mas ele não desistiu. Finalmente, encontrou meia dúzia de habitantes de Medina que, sendo próximos aos judeus e cristãos, tinham uma noção dos profetas e das mensagens divinas. Eles sabiam também que “o povo do livro” estava esperando a chegada de um profeta – do último confortador. Assim, aqueles homens não perderam a oportunidade e prometeram conseguir mais adeptos e a ajuda necessária em Medina.

No ano seguinte, mais doze tribos apresentaram seu compromisso de fidelidade ao profeta e pediram que lhes mandasse um professor missionário. O trabalho do missionário (mus’ab) se mostrou frutífero, e acabou por levar um contingente de 73 novos convertidos a Meca, por ocasião da peregrinação. Eles convidaram Muhammad e seus companheiros em Meca a migrar para Medina, e prometeram abrigar e assistir o profeta e seus companheiros, bem como seus parentes. Secretamente, e em pequenos grupos, a maior parte dos muçulmanos migrou para Medina. Os pagãos de Meca confiscaram os bens dos migrantes e planejaram uma conspiração para assassinar Muhammad . Agora era impossível para ele permanecer na cidade.

Vale ressaltar que, apesar dessa hostilidade dos pagãos para com o profeta, eles tinham uma confiança ilimitada na sua probidade, tanto que alguns costumavam guardar suas economias com ele. Muhammad confiou aqueles depósitos a Ali, seu primo, com a orientação de devolvê-los a seus legítimos donos, e em seguida deixou a cidade secretamente na companhia de seu fiel amigo Abu Bakr. Após alguns incidentes, eles conseguiram alcançar Medina a salvo. Isto aconteceu no ano de 622, que ficou conhecido como o ano da Hégira e marcou o início do calendário islâmico.

Reorganização da comunidade

Para uma melhor adaptação dos imigrantes, Muhammad criou laços de fraternidade entre eles e os moradores da cidade. Cada imigrante ganhou uma família, e esses irmãos trabalhavam juntos para ganharem o sustento e se ajudavam mutuamente. Além disso, ele achava que o desenvolvimento do homem como um todo seria melhor alcançado se religião e política fossem partes de um todo. Para esse fim, convidou os representantes dos muçulmanos, assim como dos não muçulmanos habitantes da região, árabes, judeus, cristãos e outros, e sugeriu o estabelecimento da Cidade-estado de Medina. Dotou a cidade de uma constituição escrita – a primeira dessa espécie no mundo – na qual direitos e deveres foram definidos, tanto para cidadãos como para os chefes de estado, e a habitual justiça privilegiada foi abolida.

A administração da justiça tornou-se a preocupação da organização central da comunidade de cidadãos. O documento estabelecia princípios de defesa e de política estrangeira. Reconhecia que o profeta teria a palavra final em todas as questões divergentes, e que não havia limites em seu poder de legislar. Reconhecia, também, a liberdade de religião, principalmente para os judeus, a quem o ato constitucional garantia igualdade com muçulmanos em todos os aspectos da vida.

Muhammad (SAWS) viajou muitas vezes com vistas a ganhar adeptos nas tribos vizinhas e assinar com elas tratados de aliança e mútua ajuda. Com o auxílio dessas tribos, ele decidiu fazer pressão econômica a Meca, que tinha confiscado os bens dos muçulmanos migrantes e também havia causado prejuízos enormes. Começaram as obstruções das caravanas a caminho de Meca, com desvio para a região de Medina. Os habitantes de Meca se irritaram, resultando em uma luta sangrenta.

Luta contra a intolerância

Não contentes com a expulsão de seus compatriotas muçulmanos, Meca enviou um ultimato a Medina, exigindo a rendição ou, pelo menos, a expulsão de Muhammad e de seus companheiros. Alguns meses mais tarde, no ano 2 da Hégira, eles mandaram um exército poderoso contra o profeta, que os enfrentou em Badr; e os pagãos, três vezes mais numerosos que os muçulmanos, foram derrotados. Um ano depois, eles voltaram e invadiram Medina para vingar a derrota de Badr. Após um confronto sangrento em Uhud, o inimigo se retirou, mas a questão permanecia pendente. Os mercenários do exército de Meca não queriam se arriscar ou exporem-se ao perigo.

Nesse meio tempo, os judeus de Medina começaram a fomentar a discórdia. Por ocasião da vitória de Badr, um de seus líderes, Ka’b ibn al-Ashraf, foi até Meca dar seu apoio aos pagãos e incitá-los à revanche. Após a batalha de Uhud, a tribo desse mesmo líder planejou matar Muhammad , sem obter sucesso. Como punição, ele exigiu que aquela tribo abandonasse a região de Medina, levando com eles todos os seus bens, e o que não puderam levar, venderam e quitaram seus débitos com os muçulmanos.

Apesar desse gesto de clemência, os exilados contataram os habitantes de Medina e as tribos do norte, sul e leste e mobilizaram ajuda militar, com o fim de invadirem a cidade. Partiram de Khaibar com forças quatro vezes mais numerosas do que aquelas empregadas em Uhud. Os muçulmanos se prepararam para o sítio, e cavaram um fosso para se defender. Ainda que a deserção em Medina permanecesse, foi com uma diplomacia sagaz que o profeta conseguiu quebrar a tal aliança e os diferentes grupos se retiraram um após o outro.

Foi nessa época que as bebidas alcoólicas e o jogo foram proibidos aos muçulmanos.

A reconciliação

Muhammad tentou mais uma vez se reconciliar com Meca. A barreira imposta às caravanas que vinham do norte havia arruinado sua economia. Muhammad prometeu a eles trânsito seguro, extradição de seus fugitivos e o cumprimento de todas as condições que eles desejassem. Assim, foi assinado o acordo de Hudaibiyah, nos subúrbios de Meca, que previa a manutenção da paz e a observância de neutralidade nos conflitos com terceiros.

Aproveitando os momentos de paz, Muhammad iniciou um programa intenso de propagação de sua religião. Enviou mensagens aos reinos de Bizâncio, Irã (então Pérsia), Abissínia e de outros territórios. O sacerdote bizantino abraçou o Islam, mas, por causa disso, foi linchado pelos cristãos. O prefeito de Ma’an (Palestina) teve o mesmo destino, e foi decapitado e crucificado por ordem do imperador. Um embaixador muçulmano foi assassinado na Síria-Palestina e, ao invés de punir o culpado, o imperador Heráclio mandou suas tropas protegê-lo contra a expedição enviada pelo profeta (batalha de Mu’tah).

Os habitantes de Meca, esperando se aproveitarem das dificuldades dos muçulmanos, violaram os termos do tratado assinado com Muhammad . Com o rompimento do pacto, Muhammad chefiou um exército de muçulmanos e surpreendeu Meca, que foi ocupada sem violência ou derramamento de sangue. Como um conquistador benevolente, ele reuniu o povo vencido, lembrou-lhes os tempos de perseguição religiosa, o confisco injusto dos bens dos que migraram para Medina, as invasões incessantes e as hostilidades sem sentido por vinte anos consecutivos. E, então, lhes perguntou: “Agora, o que vocês esperam de mim?”. Quando todos baixaram a cabeça, com vergonha, ele declarou: “Que Deus os perdoe, vão em paz, vocês estão livres!”. Ele sequer reivindicou a posse das propriedades dos muçulmanos, confiscadas pelos pagãos. Esta atitude produziu uma grande mudança psicológica no ânimo de todos. Quando o líder de Meca, após ouvir essa anistia geral, se dirigiu ao profeta para declarar a aceitação do Islam, ele lhe disse: “E, por meu lado, indico você como governador de Meca!”. Sem deixar um único soldado na cidade conquistada, ele se retirou para Medina.

Logo após a ocupação de Meca, a cidade de Ta’if se mobilizou para lutar contra Muhammad . O inimigo estava disperso no vale de Hunain, mas os muçulmanos preferiram levantar um cerco próximo a Ta’if e usar de meios pacíficos para quebrar a resistência daquela região. Menos de um ano mais tarde, uma delegação de Ta’if chegou a Medina, oferecendo a submissão. Mas queria a isenção das preces, das taxas e do serviço militar, e a liberdade para o adultério, a fornicação e a bebida alcoólica. Queriam, ainda, a conservação do templo dedicado ao ídolo al-Lat em Ta’if. Muhammad cedeu na isenção do pagamento de taxas e na prestação do serviço militar, e acrescentou: “Vocês não precisam demolir o templo com suas próprias mãos; enviarei daqui quem faça esse serviço, e se houver qualquer consequência, por causa de suas superstições, serão eles quem sofrerão”. A conversão de Ta’if foi tão sincera que em pouco tempo eles próprios renunciaram às concessões contratadas, e o profeta indicou um coletor de impostos para a localidade.

Em todas essas “guerras” que se estenderam por um período de mais de 10 anos, os não muçulmanos perderam nos campos de batalha cerca de 250 pessoas, enquanto as perdas muçulmanas foram menores. Durante esses 10 anos de lutas, os povos da península e das regiões sul do Iraque e da Palestina aceitaram voluntariamente o Islam. Alguns grupos de cristãos, judeus e persas permaneceram vinculados a seus credos, e lhes foi garantida a liberdade de consciência, assim como autonomia jurídica e jurisdicional.

No ano 10 da Hégira, quando o profeta fez a peregrinação (hajj) a Meca, ele encontrou 140.000 muçulmanos lá, vindos de diferentes partes da Arábia, cumprindo sua obrigação religiosa. Dirigiu a eles o seu famoso sermão, no qual fez um resumo de seus ensinamentos (ver próximo texto, “A Peregrinação da Despedida”): “Crença em um só Deus, sem imagens ou símbolos, igualdade entre todos os crentes, sem distinção de raça ou classe, a superioridade do ser humano baseia-se unicamente na piedade, santidade de vida, propriedade e honra, abolição do juro, das vinganças e da justiça privilegiada, melhor tratamento para as mulheres, obrigatoriedade da herança e distribuição dos bens do falecido entre os parentes próximos de ambos os sexos e eliminação da possibilidade de acumulação de riqueza nas mãos de uns poucos”.

O Alcorão e a tradição do profeta (sunna) formam as bases do direito islâmico e de um código de conduta para todos os aspectos da vida.

A Peregrinação da Despedida

Quando o mês de Ramadan chegou, em 632, Muhammad resolveu, ele mesmo, dirigir o cerimonial da peregrinação. Ele saiu de Medina em 20 de fevereiro de 632, em direção a Meca, seguido por uma imensa multidão de fiéis, alguns a pé e outros montados em camelos, numa fila que se perdia no horizonte. A última peregrinação de Muhammad é de uma importância fundamental para todos os muçulmanos. Tudo o que ele fez nessa ocasião histórica foi posteriormente incorporado ao ritual que é seguido até os dias atuais. O seu sermão também é um legado para toda a humanidade, uma vez que trata de questões éticas e morais que devem nortear o comportamento dos seres humanos, independente de etnia, cor, credo ou classe social. Ele discursou para a multidão reunida, e entre os vários pontos enfatizados estão os de que não se deve mentir, roubar, trair, cometer adultério, ingerir drogas, explorar quem quer que seja, isto é, os mesmos princípios morais trazidos por todos os mensageiros de Deus que o antecederam. Disse ainda a todos que a vida e a propriedade de todo muçulmano são responsabilidades sagradas; que não causassem dano a ninguém e que ninguém lhes causasse danos. E que a partir daquele momento não deveria haver exploração econômica e nem a prática da usura, e sim a cooperação entre todos. Também disse que as mulheres deveriam ser tratadas com bondade, pois Deus as tinha confiado a seus maridos; que os homens tinham certos direitos sobre elas, mas que elas também tinham certos direitos sobre os homens. É uma via de duas mãos. Um complementa o outro, ao invés de serem adversários. Todo muçulmano é irmão de todos os muçulmanos. O orgulho da raça ou das origens era perverso, e deveria ser abolido. Ele também ensinou que toda a humanidade veio de Adão e Eva, e que não há preferência de um árabe sobre um não árabe, ou de um não árabe sobre um árabe; de um negro sobre um branco ou de um branco sobre um negro. O melhor entre todos é o mais piedoso, o mais temente e o que é o melhor em caráter. Também disse que não viria outro apóstolo ou mensageiro depois dele, e que havia deixado duas coisas para os muçulmanos e para toda a humanidade, e que quem as seguisse jamais se desviaria: o Alcorão e a Sunna. Pediu a seus seguidores que levassem esta mensagem a todas as pessoas da Terra. E assim eles o fizeram, percorrendo o mundo, principalmente como mercadores, professores, como pessoas que chegavam para partilhar sua experiência religiosa. E o Islam se espalhou pelo mundo, pela força do exemplo, da tolerância, e não pela força da espada, como se costuma dizer. Cada detalhe da peregrinação foi indicado pelo profeta: o ritual de atirar as pedras, o sacrifício de animais em Mina, as voltas em torno da Caaba e a vestimenta especial do peregrino. Ao final de seu sermão, Muhammad disse aos presentes, “eu não disse a vocês o que fazer e que completei minha missão?”. Todos responderam em voz alta “Sim, por Deus que você o fez”. A seguir, ele levantou os olhos para o céu e disse “Deus, dou o meu testemunho”. Por fim, ele se despediu dos peregrinos e voltou para Medina. Nunca mais ele veria Meca de novo. Essa peregrinação de Muhammad passou para a história muçulmana como a “Peregrinação da Despedida”.

O último sermão do profeta Muhammad

Após louvar e agradecer a Deus, ele disse:

“Ó gentes, ouvi-me atentamente porque não sei se estarei entre vós depois deste ano. Portanto, ouvi o que tenho a dizer com muita atenção e levai essas palavras àqueles que não puderam estar presentes aqui, hoje.

Ó gentes, da mesma forma que guardai este mês, este dia, esta cidade como sagrados, respeitai também a vida e propriedade de todo muçulmano, como uma responsabilidade sagrada. Devolvei os bens que vos foram confiados aos seus legítimos donos. Não feri ninguém, porque assim ninguém vos ferirá. Lembrem-se de que verdadeiramente vós vos encontrareis com o vosso Senhor, e que Ele ajustará as contas. Allah proibiu a usura (juros), portanto, todas as obrigações decorrentes de juros devem ser postas de lado. Vosso capital, no entanto, cabe a vós mantê-lo. Jamais imponhais e nem sofreis qualquer espécie de iniquidade. Deus sentenciou que não haverá juros e que todos os juros devidos a Abbas ibn ‘Abd’al Muttalib (tio do profeta)serão anulados.

Cuidado com Satanás, para segurança de vossa religião. Ele perdeu toda a esperança de que pudesse desviar-vos nas grandes coisas, portanto, cuidado para não segui-lo nas pequenas.

Ó gentes, é verdade que vós tendes certos direitos em relação a vossas mulheres, mas elas também têm direitos sobre vós. Lembrai-vos de que vós as tomastes por esposas na confiança de Allah e com a Sua permissão. Se elas forem fiéis, então a elas pertence o direito de serem alimentadas e vestidas com bondade. Tratais suas mulheres bem e sejais gentis com elas, porque elas são vossas parceiras e auxiliares comprometidas. E é vosso direito que elas não façam amizade com quem não aproveis, e que elas jamais sejam impuras.

Ó gentes, levai-me a sério, adorai Allah, fazei as cinco preces diárias (salat), jejuai no mês de Ramadan e distribui de vossos bens em Zakat. Fazei o Hajj (peregrinação), desde que possível.

Toda a humanidade provém de Adão e Eva, um árabe não é superior a um não árabe, nem um não árabe é superior a um árabe; o branco também não é superior ao negro, nem o negro tem qualquer superioridade sobre o branco, exceto quanto à justiça e aos bons atos. Sabei que todo muçulmano é irmão de todo muçulmano, e que os muçulmanos constituem uma irmandade. Nada que pertença ao irmão muçulmano é lícito para outro muçulmano, a menos que seja dado livremente e de boa vontade. Portanto, não praticai a injustiça entre vocês.

Lembrai-vos de que um dia vós estareis diante de Allah e respondereis por vossos atos. Portanto, cuidado, não vos desvieis do caminho da justiça depois que eu tiver partido.

Ó gentes, nenhum profeta ou apóstolo virá depois de mim e nem surgirá uma nova fé. Raciocinai bem e compreendei as palavras que vos estou transmitindo. Deixo-vos duas coisas: o Alcorão e o meu exemplo, as sunnas. E se seguirdes esses dois, jamais vos desviareis.

Todos que me ouvem deverão difundir minhas palavras para os outros, e estes para outros, e assim por diante, e que o último que as ouvir possa compreender minhas palavras melhor do que aqueles que agora me ouvem diretamente. Sede minha testemunha, ó Allah, de que eu transmiti Vossa mensagem ao Vosso povo”.

A morte do Profeta

Em maio de 632, depois da Peregrinação da Despedida, Muhammad recrutou os homens para uma expedição à Síria. Um dado curioso dessa expedição é que Usama, filho de Zaid ibn Haritha, foi indicado o comandante, embora ele só tivesse 20 anos e nenhuma experiência de comando. A indicação provocou uma grande crítica, especialmente entre os veteranos mais experimentados, que se viram substituídos por um rapaz imberbe. Não há registros a respeito dos resultados dessa expedição. Ibn Ishaq tem uma nota curta onde relata o fato de que eles fizeram alguns prisioneiros num porto, provavelmente do Mar Vermelho.

Certa noite de junho de 632, Muhammad chamou um de seus libertos e lhe disse que Deus tinha ordenado ir ao cemitério e rezar pelos mortos. Acompanhado deste homem ele saiu, e quando estava entre os túmulos, dirigiu-se aos mortos:

“Que a paz esteja com vocês, ó povo dos túmulos. Felizes são vocês porque estão muito melhor do que os homens daqui. As divergências chegaram como ondas de escuridão, uma após a outra, sendo a última pior do que a primeira“.

Quando ele acabou de rezar, chamou seu liberto e voltou para casa. Na manhã seguinte, sentiu uma violenta dor de cabeça. Ele tentou visitar suas esposas, indo a casa de cada uma delas, mas desmaiou na casa de Maimuna . As mulheres se reuniram em volta dele e lhe deram permissão para que, durante sua doença, ele fosse cuidado na casa de Aisha .

Devagar os homens estavam terminando os preparativos para se juntarem à expedição de Usama, ainda ressentidos com a indicação dele. Muhammad , no entanto, estava forte o suficiente para realizar a cerimônia de apresentação de Usama com a bandeira de guerra, um ritual introduzido pela primeira vez por Qusai.

Então, ele amarrou um lenço em volta de sua cabeça para acalmar a dor que incomodava muito e fez um esforço para entrar na mesquita para as preces. A partida da expedição de Usama foi retardada, tendo em vista o estado de saúde de Muhammad . Ele estava com muita febre. Não conseguindo dirigir as preces públicas, pediu a Abu Bakr que o substituísse. Certa vez, na ausência de Abu Bakr , Omar ibn al Khattab foi quem dirigiu as preces. Ao reconhecer a voz de Omar , pois a porta do quarto de Aisha dava diretamente para a mesquita, ele gritou de sua cama, “não, não, somente Abu Bakr”. Talvez ele quisesse enfatizar o respeito que tinha por Abu Bakr como o mais velho.

Algumas de suas esposas se reuniram com outras mulheres e decidiram forçá-lo a tomar um remédio. Muhammad perguntou-lhes porque elas estavam agindo assim, e elas disseram que estavam com receio de que pudesse ser pleurisia. Mas ele respondeu que Deus não o afligiria com uma doença tão diabólica. Na verdade, à luz dos modernos conhecimentos, parece provável que Muhammad tenha morrido de pneumonia. Talvez ele tivesse se resfriado quando saiu para rezar no cemitério, pois na manhã seguinte ele acordou com uma terrível dor de cabeça e a partir daí sua febre não baixou mais.

No décimo dia de sua doença, a febre atingiu seu ponto mais alto, ele ficou parcialmente consciente e seu corpo estava atormentado pela dor. Então, na manhã seguinte, quando Abu Bakr estava dirigindo a prece, a porta do quarto de Aisha rapidamente se abriu e Muhammad apareceu sorrindo no pátio da mesquita. Ele acenou para os fiéis para que continuassem a prece e se sentou no chão para descansar.

Quando as preces acabaram, Abu Bakr se aproximou dizendo feliz “Ó Apóstolo de Deus, vejo que hoje você está gozando das bênçãos de Deus, como todos nós queremos”. Achando que Muhammad estava recuperado, ele pediu para visitar sua família, que vivia do outro lado do oásis. Muhammad voltou para sua cama, deitou-se com a cabeça no peito de Aisha . Limpou seus dentes energicamente e voltou a deitar-se. De repente, Aisha percebeu que sua cabeça tinha ficado mais pesada. “Senhor, conceda-me o perdão”, disse ele. Seus olhos ficaram fixos. O mensageiro de Deus tinha ido encontrar-se com seu Senhor.

O profeta faleceu com a plena convicção de que tinha desempenhado a tarefa para a qual havia sido escolhido por Deus – pregar para o mundo a mensagem divina. Ele legou para a posteridade uma religião de puro monoteísmo, criou um Estado disciplinado e trouxe a paz, ao invés da guerra de todos contra todos; estabeleceu um equilíbrio harmonioso entre o espiritual e o temporal, entre a mesquita e a cidade, deixou um novo sistema de leis, que provê uma justiça imparcial pela qual até os chefes de estado devem se submeter, e na qual a tolerância religiosa é tão grande que os habitantes não muçulmanos dos países islâmicos usufruíram igualmente de completa autonomia jurídica e jurisdicional. Nas questões dos ganhos do Estado, o Alcorão fixou os princípios do orçamento e distribuição das rendas. Acima de tudo, Muhammad (SAWS) foi um exemplo, e praticou tudo o que ele ensinou a todos.

E Allah Sabe Melhor.

الله أعلم

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